Em tempos antigos, a pobreza era tão extrema que, em algumas comunidades, quando alguém falecia, o corpo era levado ao cemitério em redes de dormir. Era enterrado ali mesmo, envolto em suas roupas e na própria rede onde repousava em vida. Algumas paróquias humildes emprestavam caixões de madeira, que eram devolvidos logo após o sepultamento. Para a igreja, esse gesto representava compaixão; para os familiares, porém, era doloroso ver o ente querido lançado à terra como se fosse um objeto descartável.
Em um vilarejo esquecido pelo tempo, certa vez encontraram o corpo de um homem de estatura extraordinária — um gigante com quase três metros de altura. Como era tradição, chamaram o padre para realizar as bênçãos e solicitar o caixão emprestado da paróquia. O vigário chegou, observou o corpo com atenção e comentou: “Este lugar é pequeno, conheço cada rosto daqui, e nunca vi esse homem antes.” Após uma breve oração, pediu que buscassem a urna de madeira, recomendando que fosse manuseada com o máximo de cuidado.
O menino que havia encontrado o corpo do gigante não hesitou: afirmou com firmeza que aquele homem era seu parente. O velório foi marcado para acontecer em sua casa, uma construção simples, como tudo naquele vilarejo esquecido. Ainda intrigado com a origem do morto, o padre decidiu visitar o local ao cair da noite.
Dentro da casa, o ambiente era silencioso. Os presentes observavam o corpo imenso e o caixão modesto, claramente pequeno demais para acomodá-lo. Sussurros discretos circulavam entre os presentes, carregados de dúvida e desconforto.
Diante da situação, o padre tomou a palavra com pesar:
— Infelizmente, não há outra escolha... teremos que quebrar-lhe as pernas para que caiba no caixão.
O menino, tomado pelo desespero, gritou:
— Nem pensar! Tenham respeito por ele!
O padre, exercendo a autoridade que lhe era comum na época, respondeu com dureza:
— Cale a boca, menino. Não se intrometa em assuntos de adultos.
Mas o garoto não se calou. Abraçou as pernas do morto e repetiu com lágrimas nos olhos:
— Tenham respeito por ele.
Após uma longa discussão, chegaram a uma solução: fariam dois buracos na parte traseira do caixão, permitindo que os braços e pernas ficassem expostos. Depois, cuidariam dos reparos.
Comovido, o menino tirou a única blusa que vestia, molhou-a com água e começou a limpar os pés do falecido.
— Não quero que ele suje o céu com a poeira dessa terra de pessoas tão estranhas — disse com doçura.
O que ninguém sabia era que o morto não era humano. Era um alienígena. Sua nave havia se desintegrado ao entrar na atmosfera, e o impacto havia desligado seus sistemas vitais.
Enquanto o menino limpava os pés, sem querer tocou um ponto sensível. Um dos dedos se moveu, ativando a sobrevida do ser. Lentamente, seus sensores internos começaram a se reativar. Ele ouviu o padre comentar:
— Temos que cuidar das nossas árvores... E ainda cortar alguns galhos para consertar esse caixão. Ele nem parece cristão. O certo mesmo era fazer uma fogueira e queimá-lo.
De repente, o morto se levantou com um impulso inesperado. O pânico tomou conta da sala. Todos correram, gritando. O gigante, porém, segurou o padre pelo ombro e, com voz firme, perguntou:
— Que pressa é essa? Madeira para fogueira vocês têm... Mas para reparos, não?
Lá de cima, observamos tudo o que acontece aqui embaixo. Cuidado. A cobrança virá para todos — especialmente para aqueles que conhecem o caminho, mas escolhem pavimentá-lo com espinhos.
"O conhecimento é um farol na escuridão"